Defensoria Pública do Paraná não é formalizada, o que desrespeita a legislação. Inoperância do órgão causa problemas para a população
A empregada doméstica Vera Lucia de Carvalho, 44 anos, é uma vítima. Não da violência ou do trânsito, mas das filas de espera por um exame no Sistema Único de Saúde (SUS) e da Defensoria Pública do Paraná, que desrespeita a Constituição Federal desde 1991. A inoperância dos órgãos custou muito mais caro do que se imaginam. Custa sua saúde e quase a sua vida. Após realizar exame de rotina, uma hemorragia vaginal passou a fazer parte da rotina de Vera. Havia necessidade de exame clínico, agendado para nove meses mais tarde, para entender o motivo do sangramento. Vera procurou a Defensoria Pública para agilizar o tratamento e ouviu que não poderia ser atendida. Seu corpo não esperou pelo exame e um câncer surgiu.
A primeira consulta para tratar a hemorragia aconteceu em julho de 2007. Desde então, passaram-se 17 meses até o diagnóstico, em janeiro de 2009. No período, ela correu a postos de saúde e hospitais para realizar o exame clínico. Só teve acesso a ele, porém, quando se dispôs a pagar R$ 100. O tempo de espera para a investigação mais profunda levaria de 9 meses a 1 ano em Colombo, na região metropolitana de Curitiba. Em uma tentativa frustrada, Vera Lucia tentou antecipar o tratamento por meio da Defensoria Pública, mas não obteve êxito. Um médico consultado pela reportagem afirmou que o tipo de câncer de Vera evolui rapidamente e poderia ser evitado com diagnóstico antecipado.
A paciente teria melhor sorte se estivesse no Rio de Janeiro. Na Defensoria fluminense, considerada exemplo no Brasil, muitos casos envolvendo o SUS não chegam à Justiça, pois são resolvidos na esfera administrativa. Ao procurar o órgão, o paciente sai, em geral, com o exame agendado. “Esse caso configura a falência de dois serviços estatais. Em muitas defensorias, basta um procedimento administrativo para resolver o problema”, esclarece André Castro, presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep). Chefe da Defensoria Pública do Paraná, Josiane Fruet Bettini Lupion afirma que atualmente o órgão adota a mesma postura da Defensoria do Rio.
Depois de passar o ano de 2008 em tratamento (radioterapia e quimioterapia), hoje Vera Lúcia, está bem. Mas sabe dos riscos de um retorno da enfermidade e por isso toma os cuidados necessários. “Fiquei um ano parada, cheguei a pesar 40 kg (com 1,51 metro de altura) e sei que posso não ter muitos anos de vida”, diz, observando o neto correndo pela cozinha de casa.
Não só problemas gravíssimos, como o de Vera, foram abandonados pela Defensoria Pública desde 1991. Situações que causam transtornos no cotidiano também foram deixadas de lado. Em janeiro do ano passado, a professora de Matemática Marilsa Conceição Silva recebeu uma conta de telefone acima dos padrões costumeiros. “No mês da fatura, eu trabalhava o dia inteiro, meus filhos mais novos estavam no Rio de Janeiro e o filho mais velho também não ficava em casa”, conta. Ela tentou um acordo com a empresa, mas não houve conciliação. Chegou à Defensoria Pública esperançosa, mas encontrou as portas fechadas.
“Disseram que não tinham condições de me atender, que havia muita gente”, relata. Enquanto tentava solucionar os entraves com a empresa de telefonia, Marilsa discutia questões com o banco Itaú e pretendia receber o apoio do órgão nesse caso. “Eu me senti péssima com isso, como todo bom brasileiro. Você paga um monte de coisa e dizem que temos um monte de direitos. Mas nada funciona na prática”, critica. Carioca, a professora compara o atendimento da Defensoria Pública paranaense e da fluminense. “É totalmente diferente. Lá ela funciona para todo mundo, ao contrário daqui. Nem chegaram a me atender”, diz.
Nas duas situações, Vera Lucia e Marilsa procuraram a Organização Jurídica de Apoio ao Cidadão (Ojac), uma das várias instituições que buscam suprir a lacuna da Defensoria no estado nos últimos 18 anos, assim como os Núcleos de Prática Jurídica de universidades. Há três anos em funcionamento, a Ojac defende aproximadamente 80 casos que deveriam receber atenção da Defensoria Pública. “São problemas, muitas vezes sérios, aos quais ninguém dá a devida atenção”, afirma Solange Aparecida de Souza, presidente da Ojac.
Outro lado
Josiane Fruet afirma que, em ambos os casos, a Defensoria Pública poderia ter agido. Senão para solucionar a situação, ao menos para encaminhar para instituições responsáveis por ocorrências semelhantes (a Procuradoria de Defesa do Consumidor, no caso de Marilsa). A fim de impedir problemas semelhantes, a chefe da Defensoria afirma ter instituído uma nova forma de atendimento. “A triagem liga diretamente para mim, pois esse tipo de problema sempre cai em meu gabinete”, conta. Josiane assumiu a chefia do órgão em fevereiro de 2009, depois da procura de Marilsa e Vera Lucia.
Cadastro de advogados deve sair neste mês
Em março deste ano, foi firmado convênio entre a Ordem dos Advogados do Brasil Seção Paraná (OAB-PR), o governo do Estado e o Tribunal de Justiça (TJ) para oferecer assistência judiciária gratuita à população carente em todas as comarcas do estado. Neste início de maio, deve ser aberto cadastro para os profissionais interessados em atuar no projeto. Pelo acordo, os advogados dativos – nomeados por um juiz nos casos em que as partes não podem arcar com os custos – atuariam nos 399 municípios do estado, com atendimentos nas áreas criminal e cível não patrimonial (apenas na capital, a oferta é restrita à área criminal). Na época da assinatura, o presidente da OAB-PR, José Lucio Glomb, considerou que o convênio, se cumprido adequadamente, pode oferecer assistência aos necessitados sem vinculação dos profissionais à administração pública.
Mesmo com o acordo, a regulamentação da Defensoria Pública do Paraná é uma das principais bandeiras defendidas pela OAB-PR.
Governo inicia trabalho para regulamentação
A Constituição Federal determina aos estados a criação de uma Defensoria Pública com autonomia de atuação, orçamento definido e efetivo próprio. Apesar da instituição do órgão em 1991, o Paraná é um dos poucos estados brasileiros que não cumpre com a obrigação. “O serviço de assistência jurídica, assim como o de Educação e de Saúde, constitui direito fundamental do cidadão”, explica André Castro, presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep). No estado, a atual Defensoria atua parcialmente e apenas na capital, pois há número insuficiente de defensores. Há esperança de que essa situação se transforme até o fim de 2010.
A licença do ex-governador Roberto Requião (PMDB) para concorrer ao Senado deu fôlego à possibilidade de instituição da Defensoria Pública do Paraná nos moldes constitucionais. Há cerca de dez dias, o governador Orlando Pessuti (PMDB) determinou o início de estudos para a implantação definitiva do órgão. A atual chefe da Defensoria Pública do Estado, Josiane Fruet Bettini Lupion, e a Anadep já encaminharam proposta à Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (Seju). A expectativa é de que a regulamentação finalmente saia do discurso em breve. “Acredito que, pela própria postura do governador, existe a chance de regulamentar a Defensoria ainda neste ano”.
Com isso, o órgão passaria a ter quadro de funcionários próprio ao invés dos atuais 46 advogados emprestados por outras Secretarias de Governo.
“Na atual situação, eu fui obrigada a reduzir o atendimento para Curitiba, porque não há como controlar as audiências que ocorrem fora da capital”, afirma Josiane. Ela espera que a adequação à Constituição seja acompanhada de uma “missão” ao interior do Paraná. “Minha ideia é dividir o estado em regiões e lotar um determinado número de advogados em cada uma delas. Por meio do Programa Paraná em Ação, conhecemos a realidade e a necessidade de cada local”, afirma. Josiane estima que, com 400 advogados, será possível atender todo o estado de forma satisfatória. O governador Orlando Pessuti não foi encontrado pela reportagem para comentar o assunto.
Fonte: Gazeta do Povo
A empregada doméstica Vera Lucia de Carvalho, 44 anos, é uma vítima. Não da violência ou do trânsito, mas das filas de espera por um exame no Sistema Único de Saúde (SUS) e da Defensoria Pública do Paraná, que desrespeita a Constituição Federal desde 1991. A inoperância dos órgãos custou muito mais caro do que se imaginam. Custa sua saúde e quase a sua vida. Após realizar exame de rotina, uma hemorragia vaginal passou a fazer parte da rotina de Vera. Havia necessidade de exame clínico, agendado para nove meses mais tarde, para entender o motivo do sangramento. Vera procurou a Defensoria Pública para agilizar o tratamento e ouviu que não poderia ser atendida. Seu corpo não esperou pelo exame e um câncer surgiu.
A primeira consulta para tratar a hemorragia aconteceu em julho de 2007. Desde então, passaram-se 17 meses até o diagnóstico, em janeiro de 2009. No período, ela correu a postos de saúde e hospitais para realizar o exame clínico. Só teve acesso a ele, porém, quando se dispôs a pagar R$ 100. O tempo de espera para a investigação mais profunda levaria de 9 meses a 1 ano em Colombo, na região metropolitana de Curitiba. Em uma tentativa frustrada, Vera Lucia tentou antecipar o tratamento por meio da Defensoria Pública, mas não obteve êxito. Um médico consultado pela reportagem afirmou que o tipo de câncer de Vera evolui rapidamente e poderia ser evitado com diagnóstico antecipado.
A paciente teria melhor sorte se estivesse no Rio de Janeiro. Na Defensoria fluminense, considerada exemplo no Brasil, muitos casos envolvendo o SUS não chegam à Justiça, pois são resolvidos na esfera administrativa. Ao procurar o órgão, o paciente sai, em geral, com o exame agendado. “Esse caso configura a falência de dois serviços estatais. Em muitas defensorias, basta um procedimento administrativo para resolver o problema”, esclarece André Castro, presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep). Chefe da Defensoria Pública do Paraná, Josiane Fruet Bettini Lupion afirma que atualmente o órgão adota a mesma postura da Defensoria do Rio.
Depois de passar o ano de 2008 em tratamento (radioterapia e quimioterapia), hoje Vera Lúcia, está bem. Mas sabe dos riscos de um retorno da enfermidade e por isso toma os cuidados necessários. “Fiquei um ano parada, cheguei a pesar 40 kg (com 1,51 metro de altura) e sei que posso não ter muitos anos de vida”, diz, observando o neto correndo pela cozinha de casa.
Não só problemas gravíssimos, como o de Vera, foram abandonados pela Defensoria Pública desde 1991. Situações que causam transtornos no cotidiano também foram deixadas de lado. Em janeiro do ano passado, a professora de Matemática Marilsa Conceição Silva recebeu uma conta de telefone acima dos padrões costumeiros. “No mês da fatura, eu trabalhava o dia inteiro, meus filhos mais novos estavam no Rio de Janeiro e o filho mais velho também não ficava em casa”, conta. Ela tentou um acordo com a empresa, mas não houve conciliação. Chegou à Defensoria Pública esperançosa, mas encontrou as portas fechadas.
“Disseram que não tinham condições de me atender, que havia muita gente”, relata. Enquanto tentava solucionar os entraves com a empresa de telefonia, Marilsa discutia questões com o banco Itaú e pretendia receber o apoio do órgão nesse caso. “Eu me senti péssima com isso, como todo bom brasileiro. Você paga um monte de coisa e dizem que temos um monte de direitos. Mas nada funciona na prática”, critica. Carioca, a professora compara o atendimento da Defensoria Pública paranaense e da fluminense. “É totalmente diferente. Lá ela funciona para todo mundo, ao contrário daqui. Nem chegaram a me atender”, diz.
Nas duas situações, Vera Lucia e Marilsa procuraram a Organização Jurídica de Apoio ao Cidadão (Ojac), uma das várias instituições que buscam suprir a lacuna da Defensoria no estado nos últimos 18 anos, assim como os Núcleos de Prática Jurídica de universidades. Há três anos em funcionamento, a Ojac defende aproximadamente 80 casos que deveriam receber atenção da Defensoria Pública. “São problemas, muitas vezes sérios, aos quais ninguém dá a devida atenção”, afirma Solange Aparecida de Souza, presidente da Ojac.
Outro lado
Josiane Fruet afirma que, em ambos os casos, a Defensoria Pública poderia ter agido. Senão para solucionar a situação, ao menos para encaminhar para instituições responsáveis por ocorrências semelhantes (a Procuradoria de Defesa do Consumidor, no caso de Marilsa). A fim de impedir problemas semelhantes, a chefe da Defensoria afirma ter instituído uma nova forma de atendimento. “A triagem liga diretamente para mim, pois esse tipo de problema sempre cai em meu gabinete”, conta. Josiane assumiu a chefia do órgão em fevereiro de 2009, depois da procura de Marilsa e Vera Lucia.
Cadastro de advogados deve sair neste mês
Em março deste ano, foi firmado convênio entre a Ordem dos Advogados do Brasil Seção Paraná (OAB-PR), o governo do Estado e o Tribunal de Justiça (TJ) para oferecer assistência judiciária gratuita à população carente em todas as comarcas do estado. Neste início de maio, deve ser aberto cadastro para os profissionais interessados em atuar no projeto. Pelo acordo, os advogados dativos – nomeados por um juiz nos casos em que as partes não podem arcar com os custos – atuariam nos 399 municípios do estado, com atendimentos nas áreas criminal e cível não patrimonial (apenas na capital, a oferta é restrita à área criminal). Na época da assinatura, o presidente da OAB-PR, José Lucio Glomb, considerou que o convênio, se cumprido adequadamente, pode oferecer assistência aos necessitados sem vinculação dos profissionais à administração pública.
Mesmo com o acordo, a regulamentação da Defensoria Pública do Paraná é uma das principais bandeiras defendidas pela OAB-PR.
Governo inicia trabalho para regulamentação
A Constituição Federal determina aos estados a criação de uma Defensoria Pública com autonomia de atuação, orçamento definido e efetivo próprio. Apesar da instituição do órgão em 1991, o Paraná é um dos poucos estados brasileiros que não cumpre com a obrigação. “O serviço de assistência jurídica, assim como o de Educação e de Saúde, constitui direito fundamental do cidadão”, explica André Castro, presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep). No estado, a atual Defensoria atua parcialmente e apenas na capital, pois há número insuficiente de defensores. Há esperança de que essa situação se transforme até o fim de 2010.
A licença do ex-governador Roberto Requião (PMDB) para concorrer ao Senado deu fôlego à possibilidade de instituição da Defensoria Pública do Paraná nos moldes constitucionais. Há cerca de dez dias, o governador Orlando Pessuti (PMDB) determinou o início de estudos para a implantação definitiva do órgão. A atual chefe da Defensoria Pública do Estado, Josiane Fruet Bettini Lupion, e a Anadep já encaminharam proposta à Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (Seju). A expectativa é de que a regulamentação finalmente saia do discurso em breve. “Acredito que, pela própria postura do governador, existe a chance de regulamentar a Defensoria ainda neste ano”.
Com isso, o órgão passaria a ter quadro de funcionários próprio ao invés dos atuais 46 advogados emprestados por outras Secretarias de Governo.
“Na atual situação, eu fui obrigada a reduzir o atendimento para Curitiba, porque não há como controlar as audiências que ocorrem fora da capital”, afirma Josiane. Ela espera que a adequação à Constituição seja acompanhada de uma “missão” ao interior do Paraná. “Minha ideia é dividir o estado em regiões e lotar um determinado número de advogados em cada uma delas. Por meio do Programa Paraná em Ação, conhecemos a realidade e a necessidade de cada local”, afirma. Josiane estima que, com 400 advogados, será possível atender todo o estado de forma satisfatória. O governador Orlando Pessuti não foi encontrado pela reportagem para comentar o assunto.
Fonte: Gazeta do Povo
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