segunda-feira, 12 de julho de 2010

Dez outras "Elizas" morrem a cada dia pelo Brasil


Cidades

Dia a dia. Escondidas nas estatísticas, anônimas sofrem com agressões vindas de relações conturbadas


Caso Bruno expõe violência; número de denúncias em Minas cresceu 300% em junho


THAÍNE BELISSA


Amor e ódio. As duas palavras que formavam a senha do computador de Eliza Samudio, ex-namorada do goleiro Bruno Fernandes, são também o resumo de sua própria história. Mas a devastadora mistura desses dois sentimentos tem feito muitas outras vítimas em todo o país. Longe dos corredores da fama e das câmeras de televisão, milhares de "Elizas" sofrem agressões e são assassinadas no silêncio de seu anonimato.

Segundo o estudo Mapa da Violência no Brasil 2010, do Instituto Sangari, durante um período de dez anos (1997 a 2007) ocorreram dez assassinatos de mulheres por dia no país. O índice é de 4,2 mortes por 100 mil habitantes, uma média acima do padrão internacional.

O número de denúncias de agressões às brasileiras também é alto. A Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SPM) registrou 271.719 atendimentos, de janeiro a maio de 2010, o que significa um aumento de 95,5% em relação aos primeiros cinco meses de 2009. Em Minas Gerais, o número de denúncias cresceu 300% no mês de junho, em comparação a maio, segundo a Secretaria do Estado de Desenvolvimento Social (Seds).

Para a subsecretária de enfrentamento da violência contra mulher da SPM, Aparecida Gonçalves, a legislação de proteção é avançada no país. No entanto, ela acredita que ainda existem brechas na abordagem das vítimas. "Um dos problemas enfrentados pelas mulheres agredidas é o preconceito das autoridades que as recebem durante a ocorrência. Muitos relatos são tratados como exagero. Isso vem de uma cultura machista, onde a mulher é vista como fofoqueira ou histérica", afirma.

Aparecida lembra que, por causa dessa descrença, os processos de agressão, muitas vezes, demoram a ser encaminhados. "A mulher que sofre esse tipo de preconceito pode nunca mais voltar à delegacia e continuar sofrendo em casa. Às vezes, até morrer", alerta. Outro problema apontado pela subsecretária é a falta de acompanhamento das mulheres. Ela defende um tratamento psicológico e social mais efetivo para que as vítimas reconstruam a própria identidade e saibam dar um basta em seus agressores. "Esse não é um atendimento apenas emergencial. A mulher que passa por uma agressão precisa voltar inteira para a sociedade e isso é feito com ajuda profissional", afirma.

Homens. O envolvimento dos homens no enfrentamento à violência contra a mulher é apontado como um importante passo pela subsecretária. "Não estou dizendo para irem às ruas, mas combater a violência no dia a dia, durante as conversas de bar, convencendo os amigos da seriedade do problema", afirma.

Para a defensora pública e coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher em Situação de Violência (Nudem), da comarca de Varginha, Samantha Vilarinho, muitos policiais e delegados não aplicam a lei na prática. A situação se agrava no interior dos Estados.

"Existem pessoas mal preparadas que desconhecem a lei e enviam as ocorrências para o lugar errado. Em vez de encaminharem as vítimas para receberem as medidas de proteção, as enviam para o juizado especial. Lá, as mulheres apenas passam por uma conciliação e, no máximo, o agressor paga uma multa", afirma. Como saída para o problema, a defensora pública defende um treinamento adequado para as autoridades que recebem as denúncias.


Análise

Sociedade também precisa intervir com ações

O aumento do número de denúncias também pode ser interpretado como uma reação das próprias vítimas, segundo a coordenadora estadual de políticas para mulheres em Minas Gerais, Eliana Piola. “A sociedade também começa a entender que é um problema de âmbito nacional e, ao contrário do ditado popular, está colocando a colher”, afirma.

Mesmo assim, a coordenadora lembra que muitas mulheres ainda demoram anos para fazer a primeira denúncia. Segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, 39,8% das brasileiras declararam sofrer violência desde o início da relação, 38% disseram que o tempo com o agressor é acima de dez anos e 71,7% moram com ele. “Muitas dependem economicamente do agressor, outras querem manter a família unida ou, ainda, preservar a honra. Mas a maioria não reage imediatamente porque espera que o companheiro mude de comportamento”, afirma Eliana.

Para ela, a violência contra a mulher é a face mais perversa da desigualdade de gênero. “É uma questão cultural. A criança não nasce violenta, são as construções do dia a dia que determinam suas atitudes”, explica. (TB)


Publicado em: 11/07/2010
Fonte: O Tempo

Nenhum comentário:

Postar um comentário