quinta-feira, 26 de março de 2009

A Roda de Samsara

Prezados (as) Colegas,


Somos forjados por concepções cíclicas, revelada no vai e vem de tudo que conhecemos. A dialética nos diferencia como seres humanos e determina nosso comportamento, nos transportando para soluções diferenciadas dentro de diferentes contextos. Desse modo, crescemos no meio de inúmeras contradições e temos que aprender a conviver com tudo isso. Mas não faz mal, tudo a nossa volta está em um constante movimento de mudança. Com esse determinismo de fases nos inteiramos da necessidade de prosseguir Com tantas chegadas e partidas podemos melhor nos posicionar e fazer a constatação do óbvio: a roda gira.

Há exatos dois anos inauguramos esse espaço institucional para trocarmos experiências e informações. Já temos condições de afirmar que se trata de uma experiência positiva e inovadora, pois concebido pela interatividade. Foram muitas as manifestações que recebi e hoje as guardo fisicamente em arquivo e mentalmente no coração. Aprendi muito com a possibilidade de nos entender mais, de conviver mais.

Compreender o que somos e o que pensamos foi o grande desafio, qualificado pelas nossas dimensões continentais e principalmente por nossa pluralidade cultural. O dever de representação é interessante, nos obriga a meditar sobre a tolerância e o equilíbrio. Essa responsabilidade (federativa) de traduzir um ponto comum em tudo que pretendemos ou que fazemos é instigante, do tipo que não dá mais vontade de parar.

No entanto, não parar contrariaria o óbvio da roda. Tudo tem sempre um começo, um meio e um fim. Talvez, não saibamos nunca quando se começa ou se termina. Por isso sempre nos apegamos mais no meio, como se fosse infinito na origem e no destino. Mas não é. Revela-se intrigante sublimar esses conceitos (tentações), se desfazer dessa fórmula. A simples possibilidade que tive de conhecer mais e de interagir muito foi o suficiente para compensar qualquer sacrifício de percurso.

Ao nos permitir constantemente fazemos descobertas incríveis. Estamos vivendo nos últimos anos o maior período de crescimento institucional de nossa história. Pena que culturalmente observamos a história contada por dias, semanas ou simplesmente meses. Não é só isso. Trata-se de um reducionismo enganador. Estamos nos consolidando como uma instituição madura e capaz de participar, enfrentar e discutir os grandes temas da sociedade. Já temos maturidade de assumir que não se trata apenas de fazer o mais do mesmo, nos burocratizando e se afastando de um trabalho mais comunitário e alternativo. Já nos conscientizamos da necessidade de ser diferentes e não repetir fórmulas caóticas e falidas.

O diuturno trabalho de todos nos levou a esse grau de reconhecimento. Com os pés no chão podemos bater no peito e sentir orgulho. Lembrando que se muito já fizemos, ainda temos muito o que fazer, principalmente no objetivo maior de criar uma uniformidade no tratamento da Defensoria Pública no Brasil e no exterior.

Nesse instigante caminho não podemos baquear com os desesperados, com os inflexíveis, com os ideólogos de teclado, que na contramão propõe sempre o enfretamento como forma de conquista, como se vivêssemos em uma ilha isolada, em um sistema à parte.

O nosso maior problema é que muitos querem o desenvolvimento institucional ainda acreditando que o direito é uma ciência autônoma e que podemos fazer valer a nossa dogmática jurídica para resolver problemas reais, de natureza política. Em outras palavras: ocupação competente do espaço na sociedade. Negligenciamos, portanto, a nossa formação sociológica e por isso sofremos essa grande contradição.

Vamos cultivar a sempre honestidade de propósito na construção dos nossos princípios institucionais, procurar uma identidade própria e uma utilidade social. Divergir é da nossa essência, é o que nos mantém vivos e, como já dissemos, determina o nosso comportamento. Transformar a divergência em oportunismo ou inimizade é lamentável. Se valer de argumentos, amparados em falsas premissas, para preservar imagem ou desfrutar de algum privilégio político é patético e desonesto. Nem precisamos nos referir à soberba. Desse modo, como ainda vivemos no planeta terra, somos absolutamente humanos em tudo que possa representar o bem e o mal, razão porque temos que conviver com isso, mas não necessariamente aceitar.

Todo movimento cíclico nos remete, invariavelmente, ao passado, às lembranças. Nesse período de transformação institucional passamos a freqüentar salões até então desconhecidos. Nos transformamos em referencia para esclarecimentos à sociedade. Foram inúmeras as nossas incursões na mídia nos últimos anos. Muitos editorias publicados em jornais de diversos Estados, matérias em telejornais de alcance nacional, muitas e muitas entrevistas. Em outra fase, não muito distante, como repercutia entre nós apenas uma isolada menção a nossa instituição em um meio de comunicação ou por alguma autoridade. Era o máximo! Hoje é apenas uma vez mais. Como mudamos!

Temos agora, na nossa maioridade, também a responsabilidade social. Se de alguma forma falharmos, a conta nos será apresentada sem dó. Necessitamos meditar sempre sobre as nossas condutas institucionais e a projetarmos na perspectiva de sempre obtermos um melhor aproveitamento e uma maior eficiência para a sociedade. Não há fórmulas e nem modelos, apenas a necessidade de abrirmos nossas cabeças para uma grande reflexão: temos sempre que continuar inovando, todos os dias. Portanto, cuidar de um mundo particular, intangível e alienado em nada contribui com a nossa causa. Essa auto-exclusão é uma perda imensurável. Todos podem e devem de alguma forma, permanecer levantando a nossa bandeira.

As Lembranças nos transportam para os Estados em que visitei e que pude compartilhar idiossincraticamente cada momento com os colegas, principalmente no interior. Vivenciamos os bons e os maus momentos. Mas estivemos juntos em muitas ocasiões. Não me omiti, todavia. Inteirei-me e pude olhar em muitos olhos e ouvir de muitas bocas palavras que reverberaram e fizeram diferenças. As circunstancias permitiram me entregar e recebi muito em troca, de forma marcante e inesquecível. Certamente eu posso afirmar que a nossa essência encontra-se na diferença, na nossa pluralidade. Como seria bom poder compreender cada vez mais. Como gostaria de não ter sido tão limitado.

Fora do Brasil era como se fosse a mesma coisa. Olhos, palavras, atitudes. Não importava mais a língua, era apenas nossa instituição crescendo e se firmando no cenário internacional. Do mesmo modo, amparada em todas as nossas diferenças culturais. A ocupação de um espaço político-institucional nesse ambiente representa o nosso fortalecimento interno pelo reconhecimento e pela a possibilidade de mostrarmos o que estamos de fato fazendo e tudo, ainda, que poderemos fazer. Incrível como se operaram mudanças em diversos países, como estamos falando uma língua só, com os mesmos objetivos. Como evoluímos nesses últimos anos.

Daí surgiu o interesse de outras instituições internacionais que começaram a estudar como nós estamos fazendo assistência jurídica na América Latina. Não tardou a aparecer financiamentos para projetos e congressos. Nos aproximamos e firmamos um termo de cooperação do Bloco dos Defensores Públicos do Mercosul e da Associação Interamericana de Defensoria Pública - AIDEF com a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Estamos hoje fazendo curso de qualificação junto à Corte. Oito colegas brasileiros já foram selecionados. Alguns já voltaram do Uruguai e do México. Uma nova turma irá agora para Republica Dominicana e Chile.

Em parceria com a VALE, empresa que sempre prestigiou as nossas atividades institucionais, pudemos enviar colegas para San José da Costa Rica e para Washington/EUA, sempre para se qualificar em direitos humanos. É a ocupação de espaço político institucional que nos faltava assumir, inclusive, dentro do Brasil. A nossa patente vocação é a defesa intransigente dos direitos humanos.

Ainda, dentro do Bloco do Mercosul, começamos a fazer o sistema de pasantías (intercâmbios) consistente em defensores públicos do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Venezuela e Bolívia viverem por um tempo em cada um desses países para aprender com a cultura e a dogmática jurídica. Todos os “pasantes” vivem a realidade de cada país, inclusive morando na casa de defensor público durante o prazo da pasantía.

Estamos investindo em uma geração de colegas que não mais verão fronteiras ou terão somente preocupações com a dogmática jurídica. Os nossos Congressos Nacionais (no Brasil e fora) estão agora sempre repletos de colegas de outras nacionalidades, como a revelar a grande vocação de superar as nossas diferenças e distancias. Somos todos defensores públicos, aqui e lá, portanto, somos agentes reais de transformação social que podem trabalhar juntos por um mundo socialmente mais justo. O mais fascinante que podemos fazer com o nosso trabalho, com a nossa consciência, com as nossas atitudes. Isso também é indescritível, portanto, muito difícil de esquecer.

A ONU (PNUD) também acertou uma parceria com a ANADEP, o que possibilitou, dentre outras coisas, junto com o CONDEGE, a exportação para outros Estados da prática da Defensoria Pública do Rio de Janeiro que foi premiada com a menção honrosa do ultimo Prêmio Innovare: O Centro de Relacionamento do Cidadão – CRC. Também com a Comunidade Européia estamos para começar uma grande parceria que, com certeza, em breve, poderemos, desenvolver programas para todo o Brasil.

Nesse cenário de mudanças precisaremos registrar alguns dados históricos. Nada melhor do que um estudo detalhado e científico do que realmente somos, de como nos estruturamos e enfrentamos determinadas demandas. Estamos em fase final de elaboração dos questionários que vão alimentar a base de dados do III Estudo Diagnóstico sobre a Defensoria Pública no Brasil, que realizamos junto com o Ministério da Justiça.

Acreditamos que em abril estaremos distribuindo os questionários a todos os defensores públicos, além de um específico para os Defensores Gerais. É de fundamental importância que todos possam responder a pesquisa sobre o nosso perfil sócio-cultural de forma absolutamente correta. Inúmeros estudos, monografias, dissertações, matérias jornalísticas, etc., foram elaborados com base nos dois primeiros diagnósticos, de 2003 e 2005. Trata-se de um instrumento essencial que dispomos para planejarmos uma política pública de qualidade voltada para a nossa instituição, sem contar com as inúmeras possibilidades de interação com a sociedade civil.

Nunca avançaremos enquanto somente fizermos conquistas no campo normativo. A consciência contextualizada e atitude oportuna é o que revela a realidade do nosso desenvolvimento. Temos que ter coerência entre nosso discurso e a nossa prática. A norma é uma bola que corre em direção ao gol. Não significa, entretanto, que estaremos sempre com ela nos pés. Não é necessário ficar dependendo de uma mudança normativa para fazermos uma boa jogada no campo institucional. Podemos e devemos trabalhar muito bem com o que já temos. Isso só importa em consciência e atitude. O gol é a nossa meta. Com isso faremos avanços institucionais consideráveis.

Não tenho dúvidas que teremos um ano muito profícuo. Vamos colher muito porque soubemos plantar. Conscientizamos-nos de muitas coisas ao colocarmos os pés no chão, embora tenha sido um processo doloroso. O fato é que sempre aprendemos com a crise. Isso é inexorável. Estamos agora fazendo as opções corretas, sem sectarismos. O processo político não é lógico e hoje já temos algum know how para poder extrair o que tem de melhor. Nunca iremos, por formação, avançar sinais fechados. Pressinto muitas conquistas que, repito, de nada valerão se todos nós não tivermos consciência e atitude. Nada vem de graça, embora alguns incautos ainda acreditem.

Desde 2003, estamos trabalhando na reforma da Lei 80. Já obtivemos maturidade e consenso nacional em muitos pontos. Estamos fechado com o Ministério da Justiça, Casa Civil e Planejamento para a aprovação do substitutivo Mauro Benevides. Encontramos sempre a mesma e injustificada resistência por partes de setores mais conservadores do Ministério Público. Apostaria nessa norma (PLP 28) para implantar uma grande revolução no nosso dia a dia. Estamos perto disso e em muito breve teremos muitas novidades. Aposto também em novidades em Goiás e Santa Catarina ainda esse ano.

Então, por aqui eu vou ficando. Lamento muito aos precipitados, mal-resolvidos e aos mal-intencionados (quantas carapuças!), mas a luta continua. E, estarei nela. Como uma roda, não sabemos mesmo onde é o começo, o meio e o fim. Talvez não tenha mesmo qualquer importância. Por outro lado, temos a patente certeza de que ela gira e é com esse movimento que estaremos sempre andando para frente, mudando o estado das coisas.

A partir de 31/03/2009 vou usar somente o meu e-mail pessoal (f.calmon@globo.com). Acreditem e lutem sempre. Muitas coisas boas vão acontecer e seremos todos protagonistas de uma grande revolução social. A qualidade dos colegas na nossa instituição é nosso maior patrimônio. Temos grandes lideranças e vamos girar muito bem.

Agradeço profundamente tudo o que recebi, principalmente dos valorosos companheiros que nunca saíram da estrada. Ninguém faz nada só. Nunca vou esquecer de vocês!

Grande abraço,

Fernando Calmon
Presidente da ANADEP

FONTE ANADEP

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