quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Vice presidente da ADEP-MG trata das mudanças trazidas pela Lei 12.403/11 em artigo publicado no caderno Direito & Justiça do EM

Defensor público com atuação no 1º Tribunal do Júri de Belo Horizonte, professor de Direito Processual Penal e vice-presidente da Associação de Defensores Públicos de Minas Gerais (ADEP-MG), Flávio Rodrigues Lélles assina artigo publicado nesta segunda-feira, 14 de novembro, no caderno Direito & Justiça que circula às segundas-feiras como suplemento do jornal Estado de Minas. Confira abaixo a transcrição do artigo:





O juiz e o auto de prisão em flagrante



* Flavio Rodrigues Lélles



Passados quatro meses da entrada em vigor da Lei 12.403/11, que alterou diversos dispositivos legais e que no Título IX do Código Processual Penal (CPP) tratou da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória, começam a surgir alguns questionamentos acerca de sua exegese. Um deles, que nos parece bastante interessante, diz respeito ao que pode e deve fazer o juiz ao receber o auto de prisão em flagrante delito (APF). A nova redação dada ao artigo 310 do CPP estabelece que ele deverá fundamentadamente:

I – relaxar a prisão ilegal; ou II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do artigo 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

Inicialmente, nenhum questionamento pode existir quanto à necessidade de o juiz imediatamente relaxar a prisão em flagrante que for ilegal, pois isso é, ao mesmo tempo, garantido e exigido pela Constituição da República de 1988 em seu artigo 5º, inciso LXV. Não obstante, a partir daí começam as controvérsias.

A primeira delas é acerca da possibilidade de o juiz converter, de ofício, e sem antes ouvir a defesa, a prisão em flagrante em prisão preventiva. Em nossa opinião, converter a prisão em flagrante em prisão preventiva é aplicar uma medida cautelar e o próprio inciso II do artigo 310 do CPP diz isso com todas as letras quando utiliza a expressão ‘medidas cautelares diversas da prisão’, ou seja, a prisão é uma medida cautelar.

Partindo-se dessa premissa, de que a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva implica aplicação de uma medida cautelar, cumpre observar as disposições constantes do artigo 282 do CPP. E, no ponto, o § 2º do artigo 282 estabelece que, durante a investigação, a aplicação de medidas cautelares somente pode ocorrer se houver representação do delegado de polícia ou requerimento do Ministério Público, não se admitindo a atuação, de ofício, do juiz nessa fase investigativa.

Lembre-se: com a prisão em flagrante de alguém se está apenas no início da investigação. Ademais, converter prisão em flagrante em prisão preventiva, além de configurar a aplicação de uma medida cautelar, é, na verdade, decretar a prisão preventiva e, sendo assim, também o disposto no artigo 311 do CPP veda que tal medida seja adotada, de ofício, pelo juiz durante a investigação policial.

De outro lado, o § 3º do mencionado artigo 282 do CPP estabeleceu, como regra, a necessidade de contraditório prévio à aplicação de qualquer medida cautelar, salvo quando existir urgência ou quando a oitiva da parte contrária (leia-se a defesa), colocar em risco a aludida aplicação. Desse modo, parece-nos inequívoco que o juiz não pode converter, de ofício, e sem antes ouvir a defesa, a prisão em flagrante em prisão preventiva durante a investigação criminal.

O que deve fazer então o juiz ao receber o APF? Primeiro, deve verificar a legalidade da prisão em flagrante e, no caso de não encontrar qualquer ilegalidade, deve dar vista do APF ao Ministério Público e, este sim, se entender que é o caso de converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, deverá fazer tal requerimento, demonstrando a presença dos requisitos exigidos pelo artigo 312 do CPP, bem como que as outras medidas cautelares diversas da prisão são inadequadas ou insuficientes para o caso.

Depois da vista do APF ao Ministério Público e, se houver o requerimento de aplicação de qualquer medida cautelar, o juiz deve ouvir a defesa do preso, o advogado cujo nome ele informou no APF ou a Defensoria Pública, quando não foi informado nome de advogado, nos termos do que estabelece o § 1º do artigo 306, c/c § 3º do artigo 282, pois, como já acentuado, a regra agora é o contraditório prévio à aplicação da medida cautelar, salvo (exceção) se houver urgência na aplicação da medida cautelar ou se existir perigo de que a mesma se torne ineficaz com a oitiva da defesa. No caso, não nos esqueçamos de que a pessoa está presa em flagrante, o que demonstra que não há qualquer urgência na conversão em prisão preventiva, bem como que a oitiva da defesa não trará qualquer perigo para a eficácia de eventual aplicação da medida cautelar da prisão preventiva, eis que, reitere-se, a pessoa já está presa. Ressalte-se, no entanto, que há urgência sim, mas é para que se defina a situação da pessoa presa em flagrante, ou seja, se será solta ou se continuará presa.

Todavia, se aberta vista do APF ao Ministério Público e esse nada requerer, ou, depois de ouvida a defesa, o juiz não concordar com eventual requerimento de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, o magistrado deverá assegurar ao preso em flagrante o direito à liberdade provisória, com ou sem fiança, conforme o caso, inclusive com a possibilidade de sua cumulação com outras medidas cautelares. O que não nos parece possível é a conversão, de ofício, e sem a oitiva prévia da defesa, da prisão em flagrante em prisão preventiva, com violação do sistema constitucional acusatório, preconizado pelo inciso I do artigo 129 da Carta Política de 1988, da garantia do contraditório e do próprio texto da lei, artigo 282, §§ 2º e 3º, e artigo 311, ambos do CPP, com a redação dada pela Lei 12.403/11.

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