Manteremos o acesso à justiça como um tigre de papel ou assumiremos a tarefa de fazê-lo real?
A violência policial contra jovens pobres e a superlotação carcerária que conforma as cadeias como depósitos de seres humanos são dois lados da mesma moeda.
O uso desigual dos instrumentos públicos de repressão produz um Estado que criminaliza basicamente a pobreza.
A pedra de toque é o generalizado descaso com as Defensorias Públicas, porta de acesso da população carente à cidadania.
Por qualquer lado que se analise, o desprezo com a Defensoria é o que se costuma chamar de economia porca –o barato que sai caro.
Mês sim, mês não, o Conselho Nacional de Justiça realiza mutirões carcerários pelo país, descortinando situações de injustiça e excessos de pena que se cristalizam, em grande parte, pela ausência de uma defesa em todas as penitenciárias.
Ao final, pagamos mais, muito mais, que o salário dos profissionais que nos recusamos a contratar.
A exclusão e a desesperança tem um alto preço. A situação na Inglaterra expôs o quanto é custoso pagá-lo quando ele se apresenta.
Uma entrevista em vídeo de um telejornal que correu as redes sociais mostra a revolta de um senhor inglês convidado a criticar a baderna e a desordem de seus vizinhos. ‘E o fato de que todos os negros são parados e revistados diariamente pela polícia, imprensados na parede, como se fossem criminosos?’ indagou.
As Defensorias são um importante canal para equilibrar as desigualdades da justiça, dando voz a quem se encontra à margem do sistema.
Todo o universo legal conspira contra a igualdade, desde as leis que favorecem grandes, até o direito penal que tutela preferencialmente a propriedade. Viver, nestas condições, é mais do que perigoso, como diria Guimarães Rosa. É cruel.
Embora tenhamos mais de vinte e dois anos da Constituição Federal, que determinou a criação das Defensorias Públicas, ainda há Estados que não a implantaram. Santa Catarina, por exemplo, simplesmente se recusa a criá-la.
Mas, mesmo onde existe, a Defensoria recebe um tratamento que não condiz com sua importância.
São Paulo é o maior Estado da Federação e conta com apenas 500 cargos de defensor, para uma população carente que deve superar uma dezena de milhões. Não é preciso muita matemática para supor o tamanho da insuficiência.
A Defensoria mal chega a 10% das cidades do Estado e é obrigada a estabelecer convênio para contratar terceirizados.
Mesmo na Capital, no próprio Fórum Criminal, defensores se multiplicam e se substituem para tentar correr atrás do prejuízo, com audiências simultâneas em que não raro reproduzem ‘escolhas de Sofia’, tal qual médicos diante de mais pacientes em corredores de hospitais públicos que conseguem atender.
Leis federais vêm ampliando competência das defensorias e já lhes concederam autonomia administrativa. Mas o número de defensores só pode crescer com a autorização do governador.
Da mesma forma como não adianta cuidar da saúde construindo hospitais sem médicos, um irrisório número de defensores não cumpre a função essencial que a Constituição assinalou.
Manteremos o acesso à justiça como um tigre de papel ou assumiremos a tarefa de fazê-lo real?
Que não nos arrependamos da decisão futuramente.
Artigo publicado originalmente na seção Tendências e Debates da Folha de S. Paulo, edição 13/10/11
A violência policial contra jovens pobres e a superlotação carcerária que conforma as cadeias como depósitos de seres humanos são dois lados da mesma moeda.
O uso desigual dos instrumentos públicos de repressão produz um Estado que criminaliza basicamente a pobreza.
A pedra de toque é o generalizado descaso com as Defensorias Públicas, porta de acesso da população carente à cidadania.
Por qualquer lado que se analise, o desprezo com a Defensoria é o que se costuma chamar de economia porca –o barato que sai caro.
Mês sim, mês não, o Conselho Nacional de Justiça realiza mutirões carcerários pelo país, descortinando situações de injustiça e excessos de pena que se cristalizam, em grande parte, pela ausência de uma defesa em todas as penitenciárias.
Ao final, pagamos mais, muito mais, que o salário dos profissionais que nos recusamos a contratar.
A exclusão e a desesperança tem um alto preço. A situação na Inglaterra expôs o quanto é custoso pagá-lo quando ele se apresenta.
Uma entrevista em vídeo de um telejornal que correu as redes sociais mostra a revolta de um senhor inglês convidado a criticar a baderna e a desordem de seus vizinhos. ‘E o fato de que todos os negros são parados e revistados diariamente pela polícia, imprensados na parede, como se fossem criminosos?’ indagou.
As Defensorias são um importante canal para equilibrar as desigualdades da justiça, dando voz a quem se encontra à margem do sistema.
Todo o universo legal conspira contra a igualdade, desde as leis que favorecem grandes, até o direito penal que tutela preferencialmente a propriedade. Viver, nestas condições, é mais do que perigoso, como diria Guimarães Rosa. É cruel.
Embora tenhamos mais de vinte e dois anos da Constituição Federal, que determinou a criação das Defensorias Públicas, ainda há Estados que não a implantaram. Santa Catarina, por exemplo, simplesmente se recusa a criá-la.
Mas, mesmo onde existe, a Defensoria recebe um tratamento que não condiz com sua importância.
São Paulo é o maior Estado da Federação e conta com apenas 500 cargos de defensor, para uma população carente que deve superar uma dezena de milhões. Não é preciso muita matemática para supor o tamanho da insuficiência.
A Defensoria mal chega a 10% das cidades do Estado e é obrigada a estabelecer convênio para contratar terceirizados.
Mesmo na Capital, no próprio Fórum Criminal, defensores se multiplicam e se substituem para tentar correr atrás do prejuízo, com audiências simultâneas em que não raro reproduzem ‘escolhas de Sofia’, tal qual médicos diante de mais pacientes em corredores de hospitais públicos que conseguem atender.
Leis federais vêm ampliando competência das defensorias e já lhes concederam autonomia administrativa. Mas o número de defensores só pode crescer com a autorização do governador.
Da mesma forma como não adianta cuidar da saúde construindo hospitais sem médicos, um irrisório número de defensores não cumpre a função essencial que a Constituição assinalou.
Manteremos o acesso à justiça como um tigre de papel ou assumiremos a tarefa de fazê-lo real?
Que não nos arrependamos da decisão futuramente.
Artigo publicado originalmente na seção Tendências e Debates da Folha de S. Paulo, edição 13/10/11
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