Há dois anos, menor de 14 anos deixou a família para viver com traficantes
Uma decisão inédita da Justiça obrigou a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) a providenciar ontem a internação de uma adolescente de 14 anos viciada em crack. Com histórico de dois anos de dependência da droga e jurada de morte por traficantes, a menor foi beneficiada por uma determinação expedida pelo juiz Marcos Flávio Lucas Padula, da Vara Cível da Infância e Juventude de Belo Horizonte.
Na decisão, de anteontem, o magistrado determinou o encaminhamento imediato da menor a uma clínica para dependentes químicos. Ontem, 24 horas após a decisão, a adolescente deixou a casa da mãe para se internar. O local do tratamento, fora da capital, está sendo mantido sob sigilo. "Estou feliz porque vou sair dessa vida de sofrimento e vou me curar", disse a garota ao entrar no carro dos voluntários da ONG Defesa Social, que providenciou a ação judicial.
Essa é a primeira vez na capital que o governo estadual é intimado a custear o tratamento de um viciado em drogas, de forma emergencial. No último dia 6, a ONG acionou a Defensoria Pública e em apenas uma semana a Justiça determinou a internação.
Para a mãe da menor, uma auxiliar de cozinha, de 37 anos, a internação é o fim de um sofrimento que se arrasta há dois anos, desde que a filha, aos 12 anos, deixou a casa da família e passou a viver sob as ordens de traficantes de um aglomerado da capital. Nesse período, conta a mãe, a menina abandonou os estudos, se prostituiu e engravidou quatro vezes.
Em todas as gestações, provocou abortos. "Ninguém me ajudava. Me vi desesperada e tomando calmante para dormir. É angustiante ver um filho morrendo e não poder fazer nada", contou a auxiliar de cozinha, que acompanhou a filha até a clínica onde a menor ficará por pelo menos seis meses.
Nos argumentos apresentados à Justiça, a defensoria alertou para o risco de morte da adolescente tanto pela dependência de crack quanto pelas ameaças que vinha sofrendo dos traficantes.
Em uma das raras passagens pela casa onde vive a mãe e a avó, há um mês, a adolescente chegou com quadro de overdose, arrastada por marginais, após levar uma surra. Uma semana depois, estava de volta à boca do fumo. Há dez dias, foi esfaqueada pelo namorado, que também é viciado.
Minas só tem 50 vagas para tratamento de menores
A falta de vagas para internação de dependentes químicos é uma realidade enfrentada por muitas famílias em Minas. Quando se tratam de adolescentes a situação é ainda pior. Segundo subsecretário de Políticas sobre Drogas, Cloves Benevides, são apenas 50 vagas disponíveis para menores em todo o Estado.
O subsecretário afirmou que em agosto um projeto para aumentar para dez o número de entidades conveniadas com o Estado que atendem esse público. Atualmente, são apenas três.
Para o juiz Marcos Flávio Padula, isso deveria ser prioridade para o governo porque envolve a vida de menores que se comprometem cada vez mais com o tráfico. (JS)
Impotência
Mãe assiste a uso de droga
Com um jeito típico de uma adolescente alegre, a menina beneficiada com a decisão judicial deixou a casa da mãe rumo à internação para se livrar do crack levando na mão a almofada em formato de coração. Uma cena bem diferente da presenciada pela reportagem de O TEMPO, momentos antes, quando a menor se refugiou na laje da casa para usar a droga.
Em meio a bonecas e brinquedos, num ambiente sujo e cheio de lixo, a menor passou quase uma hora fumando crack em um cachimbo feito de cano PVC.
Chorando muito, a mãe viu a cena e disse que não vê a hora de ter a filha curada. "Não aguento mais ver minha filha tremendo com vontade de fumar e chegar em casa e saber que ela voltou para a boca", contou.
Passado o efeito da droga, o jeito arredio da garota deu lugar a uma aparência doce e simpática da adolescente. "Quero ter uma família, voltar a estudar, arrumar um emprego e parar de fazer minha mãe sofrer".
Durante os dois últimos anos em que teve a filha sob poder de traficantes, a mãe conta que procurou ajuda da polícia e de um centro de assistência social, mas em todas as tentativas não encontrou socorro. A mulher cuida da adolescente e de outras duas filhas menores sozinha. O pai abandonou a família há quatro anos. (JS)
Mini entrevista com
"Quero receber minha filha curada"
Como foram esses dois anos que sua filha esteve sob o poder de traficantes?
Os marginais esconderam a minha filha de mim. Eu rodava o bairro inteiro atrás dela e não encontrava. Perdi 20 kg. O mais difícil era saber que eles tinham o domínio sob a menina que eu criei todos esses anos. Eles maltratavam a minha filha. Ela sempre chegava com marcas de violência, queimaduras de cigarro.
Como a senhora conseguia ver sua filha?
Ela só vinha para casa quando estava morrendo. Mesmo sabendo quem tinha dado uma facada nela eu não podia chamar a polícia porque o traficante mora a dois quarteirões da minha casa e me ameaçava. Tive que mandar minhas outras duas filhas, de 9 e 11 anos, para a casa de um parente.
O que a senhora pensa para o futuro?
Quero receber minha filha curada. Ela vai voltar a ser aquela menina linda que era antes de perder para as drogas. (JS)
Fonte: O Tempo
Uma decisão inédita da Justiça obrigou a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) a providenciar ontem a internação de uma adolescente de 14 anos viciada em crack. Com histórico de dois anos de dependência da droga e jurada de morte por traficantes, a menor foi beneficiada por uma determinação expedida pelo juiz Marcos Flávio Lucas Padula, da Vara Cível da Infância e Juventude de Belo Horizonte.
Na decisão, de anteontem, o magistrado determinou o encaminhamento imediato da menor a uma clínica para dependentes químicos. Ontem, 24 horas após a decisão, a adolescente deixou a casa da mãe para se internar. O local do tratamento, fora da capital, está sendo mantido sob sigilo. "Estou feliz porque vou sair dessa vida de sofrimento e vou me curar", disse a garota ao entrar no carro dos voluntários da ONG Defesa Social, que providenciou a ação judicial.
Essa é a primeira vez na capital que o governo estadual é intimado a custear o tratamento de um viciado em drogas, de forma emergencial. No último dia 6, a ONG acionou a Defensoria Pública e em apenas uma semana a Justiça determinou a internação.
Para a mãe da menor, uma auxiliar de cozinha, de 37 anos, a internação é o fim de um sofrimento que se arrasta há dois anos, desde que a filha, aos 12 anos, deixou a casa da família e passou a viver sob as ordens de traficantes de um aglomerado da capital. Nesse período, conta a mãe, a menina abandonou os estudos, se prostituiu e engravidou quatro vezes.
Em todas as gestações, provocou abortos. "Ninguém me ajudava. Me vi desesperada e tomando calmante para dormir. É angustiante ver um filho morrendo e não poder fazer nada", contou a auxiliar de cozinha, que acompanhou a filha até a clínica onde a menor ficará por pelo menos seis meses.
Nos argumentos apresentados à Justiça, a defensoria alertou para o risco de morte da adolescente tanto pela dependência de crack quanto pelas ameaças que vinha sofrendo dos traficantes.
Em uma das raras passagens pela casa onde vive a mãe e a avó, há um mês, a adolescente chegou com quadro de overdose, arrastada por marginais, após levar uma surra. Uma semana depois, estava de volta à boca do fumo. Há dez dias, foi esfaqueada pelo namorado, que também é viciado.
Minas só tem 50 vagas para tratamento de menores
A falta de vagas para internação de dependentes químicos é uma realidade enfrentada por muitas famílias em Minas. Quando se tratam de adolescentes a situação é ainda pior. Segundo subsecretário de Políticas sobre Drogas, Cloves Benevides, são apenas 50 vagas disponíveis para menores em todo o Estado.
O subsecretário afirmou que em agosto um projeto para aumentar para dez o número de entidades conveniadas com o Estado que atendem esse público. Atualmente, são apenas três.
Para o juiz Marcos Flávio Padula, isso deveria ser prioridade para o governo porque envolve a vida de menores que se comprometem cada vez mais com o tráfico. (JS)
Impotência
Mãe assiste a uso de droga
Com um jeito típico de uma adolescente alegre, a menina beneficiada com a decisão judicial deixou a casa da mãe rumo à internação para se livrar do crack levando na mão a almofada em formato de coração. Uma cena bem diferente da presenciada pela reportagem de O TEMPO, momentos antes, quando a menor se refugiou na laje da casa para usar a droga.
Em meio a bonecas e brinquedos, num ambiente sujo e cheio de lixo, a menor passou quase uma hora fumando crack em um cachimbo feito de cano PVC.
Chorando muito, a mãe viu a cena e disse que não vê a hora de ter a filha curada. "Não aguento mais ver minha filha tremendo com vontade de fumar e chegar em casa e saber que ela voltou para a boca", contou.
Passado o efeito da droga, o jeito arredio da garota deu lugar a uma aparência doce e simpática da adolescente. "Quero ter uma família, voltar a estudar, arrumar um emprego e parar de fazer minha mãe sofrer".
Durante os dois últimos anos em que teve a filha sob poder de traficantes, a mãe conta que procurou ajuda da polícia e de um centro de assistência social, mas em todas as tentativas não encontrou socorro. A mulher cuida da adolescente e de outras duas filhas menores sozinha. O pai abandonou a família há quatro anos. (JS)
Mini entrevista com
"Quero receber minha filha curada"
Como foram esses dois anos que sua filha esteve sob o poder de traficantes?
Os marginais esconderam a minha filha de mim. Eu rodava o bairro inteiro atrás dela e não encontrava. Perdi 20 kg. O mais difícil era saber que eles tinham o domínio sob a menina que eu criei todos esses anos. Eles maltratavam a minha filha. Ela sempre chegava com marcas de violência, queimaduras de cigarro.
Como a senhora conseguia ver sua filha?
Ela só vinha para casa quando estava morrendo. Mesmo sabendo quem tinha dado uma facada nela eu não podia chamar a polícia porque o traficante mora a dois quarteirões da minha casa e me ameaçava. Tive que mandar minhas outras duas filhas, de 9 e 11 anos, para a casa de um parente.
O que a senhora pensa para o futuro?
Quero receber minha filha curada. Ela vai voltar a ser aquela menina linda que era antes de perder para as drogas. (JS)
Fonte: O Tempo
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